Macacos à solta nas ruas do mundo

Macacos à solta nas ruas do mundo

Quem os ouve pela primeira vez não pode deixar de sentir um estremecimento prazenteiro. É impossível catalogar estes sons, simultaneamente tão estranhos e tão familiares, que revolvem o nosso imaginário misturando as lembranças de filmes antigos, histórias e memórias, tradições e sentimentos. À semelhança das filarmónicas tradicionais, preenchem qualquer ambiente festivo onde se encontrem, mas tal como qualquer jazzband vão sempre mais além na execução da música que dão a ouvir.

São Os Macacos das Ruas de Évora, um projecto singular concebido e dirigido por Gregg Moore, músico norte-americano radicado no Alentejo, que concilia as vertentes lúdica e estética das bandas de rua com a capacidade de improvisação de um jazzteto. O seu ponto de partida tanto podem ser músicas tradicionais portuguesas, grandes clássicos internacionais ou obras comuns do jazz e do rythm'n'blues.

A primeira vez que me chegaram aos ouvidos foi há um par de anos, creio que durante a edição de 2000 do «Viva a Rua». Tinham participado na gravação de um disco sobre o 25 de Abril, com uma versão bastante heterodoxa de Grândola, Vila Morena - que José Afonso por certo não se importaria de ter apadrinhado: é fácil imaginá-lo, com o sorriso maroto que ele gostava de usar em momentos solenes, apreciando o swing com que Os Macacos envolveram a canção-chave da Revolução dos Cravos.

Gregg Moore, o líder e inspirador deste projecto, veio da América para a Europa e acabou por se fixar no sul de Portugal. Em Évora é professor de música e desenvolve os seus projectos pessoais e colectivos, que passam quase sempre pelo cruzamento de diversas matrizes e matizes musicais, desde o frevo brasileiro à música de cinema, o jazz clássico e o rock'n'roll de sempre, o som das bandas da Sérvia, Índia e África, a música klezmer da Europa de Leste, ou as mais consistentes tradições populares e tradicionais portuguesas.

Tal como fez noutro projecto que lidera, Altered Natives - com músicos de várias nacionalidades, criando um melting pot onde o divertimento e a seriedade andam de mãos dadas - Gregg Moore faz questão de que nas actuações d'Os Macacos haja sempre coisas novas para dar a ouvir. Não porque cada espectáculo apresente necessariamente músicas diferentes, mas antes pelo modo irrepetível e pelo ambiente de happening que os caracteriza.

Daquilo que fazem, Os Macacos dizem ser a música de câmara para o novo milénio e são bem capazes de ter razão. A esta banda não falta o humor, sempre de mãos dadas com a expressão pessoal de cada um dos seus músicos. Formados nas universidades e conservatórios de diversos lugares do mundo, de onde trouxeram diferentes experiências e conhecimentos, eles sabem que o segredo d'Os Macacos está na maneira como apostam numa forma diferente de fazer aquilo que todos já conhecem.

O resultado é sempre uma surpresa, mas a coerência global do projecto e a energia positiva que dele emana não deixam ninguém indiferente. E todos quantos já os viram tocar sabem que não exagero: nas ruas do Alentejo ou da Beira Baixa, no Porto e em Évora, aqui e ali um pouco por todo o país, Os Macacos têm sido, mais do que uma revelação, um ponto de partida para a redescoberta daquilo que de mais saudável tem a música tradicional, conquistando a participação popular para a festa colectiva que é o seu oxigénio.

Não vale a pena querer pô-los num palco, porque o lugar deles é mesmo a rua, as ruas. De Évora, de Portugal, do Mundo. Porque a verdade é que macaco bom é macaco à solta, e estes Macacos conhecem bem a diferença enorme que há entre uma macacada e uma macaquice. Digo eu, que também já sou macaco velho e, portanto com o calo suficiente para já não me deixar levar pelos malabarismos sonoros de alguns macacões que andam por aí.

Ouça-se então o disco, sem mais delongas, com atenção. De preferência de janela aberta para a rua, mesmo que não seja em Évora. Um copo de três ou uma linguiça também ajudam, mas serve outro petisco que esteja à mão, à excepção da fast food, em todas as suas vertentes e modalidades. Porque esta música, como todos os prazeres, é para saborear devagar e sem pressa. Afinal, há festa ou não há festa?

Introdução ao CD Macacos das Ruas de Évora
Edição AssociArte, Évora, 2002