A cena do ódio

A cena do ódio

Um concerto de «música nacionalista» é o pretexto para um encontro de skinheads que está a ser organizado para o próximo sábado, num recinto dos arredores de Lisboa.

Uma skinhouse de Pinheiro de Loures onde já se realizaram outros «concertos» deste género deverá ser o local escolhido para a reunião, que tem vindo a ser preparada dentro do maior secretismo. Mas não são de excluir outras hipóteses, como a Amoreira, perto do Estoril, onde na passada sexta-feira foi visto um grupo de cerca de vinte skins portugueses e estrangeiros em movimentações suspeitas, ou o Montijo, que já no ano passado foi palco de um outro «concerto nacionalista».

Oriundos sobretudo de Espanha, Inglaterra, Alemanha, Itália e países da Europa de Leste, vários skinheads começaram a chegar a Portugal nas vésperas do início do Euro, e muitos deles deverão ficar para o concerto de dia 19 e para o jogo do dia seguinte, entre as selecções de Portugal e Espanha. Os estádios de futebol são, de resto, um dos territórios preferidos dos skins, que muitas vezes formam grupos organizados dentro das próprias claques, onde rapidamente se tornam elementos de perturbação. É o que se passa, em Portugal, com os «SS Soldiers», do Farense, os «Fanáticos 1919» da claque do Belenenses, e principalmente com o «Grupo 1143», da Juve Leo, cuja existência está a ser bastante contestada dentro da própria claque do Sporting.

A PSP, o SIS e a Polícia Judiciária estão atentas aos movimentos dos boneheads (o nome por que são conhecidos os skinheads de tendência nazi), mas ainda assim continua a haver factores de preocupação, até porque os grupos mais violentos costumam tomar precauções para não serem facilmente detectados nas suas deslocações. Por outro lado, no último fim de semana era dada como certa a entrada em Portugal de 150 hooligans britânicos, referenciados como particularmente agressivos e que terão conseguido iludir os esquemas de segurança em vigor nesta altura em todo o espaço europeu. Os incidentes verificados em Lisboa, na madrugada de domingo não estarão directamente relacionados com estes bandos, mas várias bandeiras com o símbolo dos hammerskins (organização skinhead de inspiração nazi) foram vistas nos arredores do estádio da Luz antes do jogo entre França e a Inglaterra. Alguns deles poderão vir a participar no encontro do próximo sábado.

Oficialmente, o concerto de dia 19 destina-se a «fomentar o convívio e a camaradagem entre os nacionalistas portugueses e nacionalistas europeus», mas as fontes contactadas pela Focus garantem que os objectivos são mais vastos. O encontro é organizado por um grupo que dá pelo nome de «Prospect Of The Nation» (POTN) e que corresponde, no essencial, à auto-intitulada «Irmandade Ariana», um grupelho neonazi sem grande representatividade mas que tem ligações a organizações internacionais de hammerskins e outros grupos assumidamente racistas. A concentração de um grande número de skins em Lisboa a pretexto do campeonato europeu de futebol é vista como uma excelente oportunidade de afirmação do POTN como «organização credível» do submundo hammerskin.

Para o concerto de sábado estão anunciadas cinco bandas habituais em espectáculos deste tipo: Rebeldes, Rienzi, Odal, GDF e Ódio, todas elas caracterizadas por repertórios onde abundam as referências nacional-socialistas e anti-semitas. Os primeiros vêm de Espanha, os Rienzi são oriundos de Itália e os Odal definem-se como skinhead crew, uma «equipa skinhead».

Os Ódio são uma banda portuguesa criada em Janeiro de 2003 e que assume ser composta por «skinheads nacional-socialistas da zona de Lisboa». Integram-na um vocalista, um baixista, um guitarrista e um baterista cujos nomes não são divulgados «por questões de segurança» e que praticam aquilo a que chamam «racial hate core music» – algo que em português corrente poderia traduzir-se como «música com muito ódio racial», como se comprova pelo título do maior êxito da banda: «The Horrible Jew» («O Horrível Judeu»).

Tal como as restantes bandas de tendência hammerskin, os Ódio caracterizam-se pelas cabeças rapadas, pela indumentária habitual dos skins (botas, calças de trabalho e suspensórios) e também pelas tatuagens de símbolos nacionalistas e fascistas que lhes cobrem parte do corpo. Do currículo da banda fazem parte participações em diversos «concertos» realizados em Itália, Espanha e, claro, Portugal – onde em Agosto do ano passado foram uma das atracções do summercamp de homenagem a Rudolf Hess, igualmente organizado pelo POTN.

Os Ódio afirmam ser, em Portugal, «a única banda activa de índole nacional-socialista», mas os GDF e os Endovelico (outra banda nazi-skin portuguesa, que não participa neste encontro) põem em causa esse monopólio. GDF quer dizer «Golpe de Força», mas começou por significar «Guarda de Ferro», em tributo à organização apoiada por Hitler na Roménia durante a II Guerra Mundial que se notabilizou pela matança sistemática de judeus e pela participação activa em várias acções de guerra particularmente violentas na Transilvânia. Quanto a Endovelico é o nome de uma antiga divindade lusitana, deus do Inferno e da noite, que se fazia representar em forma de javali.

Focus | 16.Jun.2004